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 Hemorróidas

Depois de uma leve dedada no ânus que já me fez pular de dor, a médica, impassível, confirmou: é de nível 4, precisa operar. Convivi tanto tempo com aquela estranha “couve-flor”que até me acostumei com a sua presença, me obrigando a usar calção de banho para não sujar de sangue a calça, me obrigando a sentar de lado algumas vezes em reuniões ( o que provocava uma certa estranheza entre os presentes à sala…)  ou me fazendo gemer de dor quando ia evacuar, depois de comer um prato com muito tempero e pimenta.

Deitado na sala de cirurgia, com os braços amarrados e as pernas também presas e erguidas para cima eu me sentia o ultimo dos últimos. O meu consolo é que seria uma cirurgia a laser, sinônimo de coisa feita rápida e com precisão, segundo os meus profundos conhecimentos médicos extraídos do Google. 

Realmente, foi uma cirurgia rápida e 1 hora e meia  depois já estava no ambulatório ao lado de outros pacientes que também já tinham sido operados ou aguardavam para entrar na faca. Entre gemidos e sussurros de uns e um entra e sai de enfermeiros e enfermeiras, notei um homem calvo, por volta dos 40 anos , cabisbaixo, e com uma meia cobrindo toda a sua perna esquerda sentado isolado num canto.  Conforme o efeito da anestesia ia passando e as minhas pernas dormentes deixavam de formigar, fui tirado da maca e colocado numa cadeira ao lado. O homem continuava ali, imóvel, sem olhar para o frenético movimento à sua volta do ambulatório. Parecia indiferente a todo o resto. 

Foi quando adentra àquela sala um médico e uma assistente que se dirigem ao homem calvo. O diálogo que se segue é curto , com os medicos falando baixo: a perna que iremos amputar é a esquerda, correto? Sim, a com a meia…, responde o homem. Em seguida, ele é colocado numa cama e levado embora.

Nesse momento, parece que todas as minhas dores anais cessaram. Me senti egoísta, mimado. Aquele homem iria cortar a perna e não somente uma pequena carne esponjosa que teimava em sair para fora. Iria andar com prótese, bengala ou em cadeira de rodas. Sua vida iria mudar, drasticamente.

Quando minha mulher chegou para me buscar e me fez sentar vagarosamernte no banco do carrro, me perguntou: está doendo muito? Lembrando do homem calvo, respondi: não, logo passa… o que eu perdi na cirurgia não vai me fazer falta…

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